TURMAS DO 2°ANO

Verdade e intolerância

Desidério Murcho citou, no blog da Crítica, as seguintes palavras:

Estamos no final da era da razão [...]. Um novo período de explicação mágica do mundo está a nascer, uma explicação baseada mais na vontade do que no conhecimento. Não há verdade, nem no sentido moral nem científico [...]. A ciência é um fenómeno social e, como tal, é delimitada pelos benefícios e malefícios que possa causar.

Não, esse não é o discurso de um pós-moderno que, para garantir o espaço da tolerância, reivindica que a visão mágica de mundo dos indígenas não é cientificamente inferior à da física contemporânea. São palavras de Adolf Hitler. E depois é o absolutismo sobre a verdade que gera intolerância... Nem a tese que, quando acreditamos, nossa atitude é dirigida à verdade, nem a tese que a verdade é absoluta implicam a intolerância. Acreditar que é verdade que Deus existe, por exemplo, não implica (embora não seja incompatível com) ser intolerante com que não acredita em Deus. A intolerância tem duas condições necessárias: o dogmatismo e a convicção de que pensar de modo diferente é um mal. Se sou dogmático, então não vou estar disposto a ouvir objeções 'a minha crença, ou, mesmo as ouvindo e não sendo capaz de respondê-las de modo racional, permaneço inabalado acreditando no que sempre acreditei. Mas isso por si só não gera intolerância. Só quando meu dogmatismo se une à convicção de que pensar de modo diferente é um mal que eu me sinto impelido a combater esse mal, de modo dogmático, claro. E isso vai resultar em intolerância, a mesma que os inquisidores e Hitler tinham. Acreditar que o que se pensa é verdade, sem dogmatismo e sem a convicção que pensar de modo diferente é um mal, não gera intolerância. Acreditar na verdade não é uma condição suficiente para a intolerância. Sequer é uma condição necessária, como atestam as palavras de Hitler. Ele acreditava que não havia verdade e extraiu disso a conclusão que podemos avaliar as crenças apenas por meio de critérios não cognitivos, como aquilo que é útil para uma sociedade ou coisa semelhante. Isso implica que não podemos estar errados; não porque sejamos cognitivamente infalíveis, mas porque, se não há verdade, tampouco há falsidade e, portanto, não podemos estar a acreditar em falsidades. Mas se não podemos avaliar nossas crenças cognitivamente, então não podemos convencer os outros que nossa crença é melhor com base em critérios cognitivos. Dai para usar a força para impor nossa crença é um pulinho.

A crença que a verdade é absoluta gera uma atitude mais humilde, pois se ela é absoluta, ou seja, se o ser verdadeiro de uma crença em alguma medida não depende da situação epistêmica de quem tem essa crença, então podemos estar cognitivamete errados quando acreditamos nisso ou naquilo. E se temos consciência disso, nossa tendência a ter uma atitude mais tolerante com quem diz ter uma objeção à nossa crença será bem maior. A apresentação dessa objeção será uma ocasião para verificarmos se estamos ou não incorrendo em erro.

fonte: http://problemasfilosoficos.blogspot.com/2009/06/verdade-e-intolerancia.html